quinta-feira, junho 28, 2007

Catulo 21

XXI

Aurélio, pai de fomes,
não só destas de hoje, mas também de quantas foram
ou são ou serão em outras idades,
queres encavar o meu miúdo.
E nem disfarças: estás com ele, brincas com ele,
colado ao seu lado tudo tentas.
Em vão: é que a ti, que me tentas tramar,
primeiro te comerei eu com bela foda de boca.
E se ao menos o saciasses, calava-me.
Mas o que me dói, ai eu ai eu!,
é que o rapaz só aprenderá a passar fome e sede.
Por isso desiste, enquanto podes fazê-lo com honra,
não vás tu acabar de boca fodida.

Aureli pater esuritionum
non harum modo sed quot aut fuerunt
aut sunt aut aliis erunt in annis
pedicare cupis meos amores
nec clam nam simul es iocaris una
haerens ad latus omnia experiris
frustra nam insidias mihi instruentem
tangam te prior irrumatione
atque id si faceres satur tacerem
nunc ipsum id doleo quod esurire
me me puer et sitire discet
quare desine dum licet pudico
ne finem facias sed irrumatus

Catulo 33

XXXIII

Ó tu, o melhor dos ladrões de balneário,
pai Vibénio e filho paneleiro
(que mais porca é a mão do pai,
mais guloso o cu do filho):
porque não ides exilados para o raio
que vos parta, pois conhecidas são de todos
as pilhagens do pai, e as nalgas peludas,
filho, não podes traficar nem por um tostão!

o furum optime balneariorum
Vibenni pater et cinaede fili
nam dextra pater inquinatiore
culo filius est uoraciore
cur non exilium malasque in oras
itis quandoquidem patris rapinae
notae sunt populo et natis pilosas
fili non potes asse uenditare

Bátrakhoi no Barreiro (II)

Quando os estudos clássicos estão em rápido e acentuado declínio, quaiquer iniciativas que pretendam, de forma séria, pelo menos suster esta tendência são de assinalar e louvar. Por isso foi com satisfação que recebi o contacto da Andreia Martins, professora no Colégio Minerva (Barreiro), convidando os Bátrakhoi para a II Cena Romana do colégio, integrada na Semana da Cultura Romana.

Os Bátrakhoi são um grupo de teatro clássico, constituído em finais de 2003, por iniciativa da Comissão Executiva do Departamento de Estudos Clássicos, então presidida pelo professor Arnaldo do Espírito Santo. Na altura foi-me atribuída a direcção do grupo, função que tenho desempenhado desde então. As dificuldades de conciliação de horários e disponibilidades levou a uma actividade reduzida e de certa forma simbólica, que culminou com uma inactividade de facto, desde 2005. Ainda assim não hesitei em aceitar o convite da Andreia, e tratei de contactar alunos e colegas interessados em ressuscitar o grupo, e contribuir para a divulgação das coisas clássicas num colégio que até ensina latim a alunos do ensino básico. Infelizmente é uma época complicada, com testes e trabalhos. Mesmo assim conseguimos reunir 4 pessoas: Cristiana Silva, Paula Carreira, Rui Carlos Fonseca e Susana Alves.

Reunido o grupo de actores, era preciso escolher o texto. A minha ideia foi, desde o início, dizer poesia. Porque não implica tanto tempo de preparação nem tanta gente como uma peça de teatro, e porque, tendo em conta o contexto em que nos iríamos apresentar - um jantar - me parecia o mais adequado. A escolha recaiu em Catulo, pois tinha já alguns carmes traduzidos de forma despreocupada, nos tempos livres. Naturalmente, e tendo em conta o público, imediatamente se excluíram os carmes mais atrevidos (os "malcriadões", como lhes costumo chamar). Ficou uma pequena selecta de carmes que representam primeiro o deslumbre amoroso, depois a desilução, finalmente o despeito.

Divertimo-nos imenso a preparar a apresentação, e mais ainda enquanto dizíamos, dramatizando, os carmes, diante de professores, alunos e encarregados de educação. E é isso que vale a pena: fazermos coisas giras, sérias, e sobretudo divertirmo-nos enquanto as fazemos. Deixo aqui de novo um agradecimento muito grande à Cristiana Silva, à Paula Carreira, ao Rui Carlos Fonseca e à Susana Alves. Fizeram muito pela divulgação dos estudos clássicos, na noite de 22 de Junho de 2007, mais do que pode parecer à primeira vista. É que colóquios e conferências são importantíssimos, fundamentais para o crescimento dos estudos clássicos, para o enriquecimento científico de todos que por eles se interessam. Mas para se crescer tem de se nascer (Monsieur de La Palisse não teria dito melhor), e não há maneira mais eficaz para despertar o interesse do que iniciativas deste género: jantares romanos, representações, exposições, et cetera.

Para outra ocasião fica a reportagem sobre a Cena Romana propriamente dita.

sábado, junho 23, 2007

Bátrakhoi no Barreiro (I)

P6220039

Enquanto preparo a "reportagem" da apresentação dos Bátrakhoi no Colégio Minerva (Barreiro), aqui ficam as fotografias:

http://flickr.com/photos/peregrinationes/sets/72157600439797888/

segunda-feira, junho 18, 2007

Píndaro de alfarrábio


Noutra das minhas incursões alfarrabísticas encontrei uma tradução da Segunda Olímpica, de Píndaro. A edição é de 1816, e o tradutor António Maria do Couto. Tem o pormenor interessante de contar com duas versões: uma tradução em prosa, e uma versão metrificada. Antes de o meu "scanner" falecer de morte súbita lembrei-me de digitalizar esta curiosa edição. Aqui ficam as imagens.

http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p01-pequeno.jpg
http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p02-pequeno.jpg
http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p03-pequeno.jpg
http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p04-pequeno.jpg
http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p05-pequeno.jpg
http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p06-pequeno.jpg
http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p07-pequeno.jpg
http://zmiloc.home.sapo.pt/pindaro/p08-pequeno.jpg

Mais dicionários




Na sequência do artigo do Ricardo, lembrei-me de uma relíquia que em tempos encontrei num alfarrabista do Bairro Alto. Uma forte chuvada tinha inundado a cave da loja, e o dono viu-se obrigado a vender ao desbarato todo o espólio, de modo a evitar que se estragasse. Por 500 escudos (cerca de 2,5€) comprei dois belíssimos dicionários, um de Latim-Português, outro de Português-Latim, ambos do início do século XIX. O interesse que me despertaram foi o da simples curiosidade. Tal como as gramáticas de Latim do século XVIII que na altura também comprei por um preço bastante acessível. Deixo duas imagens, como curiosidade.



Estudar os Clássicos (2): Latim

O segundo artigo que dedico ao estudo das línguas e literaturas clássicas e seus materiais tem como tema os dicionários de Latim. Falarei de gramáticas e de literatura latina noutros textos.

Os dicionários de Latim disponíveis em português são, sem excepção, feitos a partir de outros dicionários, o que significa que não só lhes copiam os erros, como também, por alta recreação, acrescentam outros.
1.º O Novissimo Dicionário Latino-Portuguez de F. R. dos Santos Saraiva é uma obra monumental, mas extraordinariamente desactualizada (data do início do século XX). Inclui palavras latinas que não existem em nenhum texto.
2.º O Dicionário Latino-Português de Francisco Torrinha é um clássico. Feito, sobretudo, a partir do dicionário de C. T. Lewis e C. Short (ele mesmo “Based on Andrews's edition of Freund's Latin Dictionary”), não alarga os significados muito além da época clássica, mas não era esse o seu propósito. É um bom dicionário.
3.º Conheço mal o Novo Dicionário Latino-Português de Francisco António de Sousa (edição actualizada e aumentada por José Lello e Edgard Lello, Lello & Irmão Editores, 1992), mas parece-me igualmente um dicionário bastante aceitável.
4.º O Dicionário de Latim-Português1 de António Gomes Ferreira foi-nos imposto pela máquina do “marketing” da Porto Editora. Sucessivas reimpressões nunca significaram melhorias na sua qualidade, que ficou intocável até há anos (2001, penso), quando o Departamento de Dicionários resolveu informatizar e embelezar as páginas do dicionário, retirando-lhe a autoria. As aplicações informáticas e o desdobramento de algumas entradas resultaram numa profunda confusão e em vários vocábulos fora da ordem alfabética. As quantidades trocadas, as escolhas editoriais não sistemáticas, etimologias absurdas, erros ortográficos, classificações gramaticais erradas e errada atribuição de autoria dos exemplos são alguns dos erros mais frequentes. Por vezes, são meras gralhas, mas em tratando-se de um dicionário, é no mínimo estranho que não seja um produto de inteira confiança. A segunda edição deste dicionário está, portanto, longe de ser aceitável. Curiosamente, é o único que se encontra disponível no mercado.
A Porto Editora prepara agora uma terceira edição totalmente revista e corrigida.

1 A pré-visualização disponível aqui não é a da segunda edição, mas da terceira, por sair e por retocar.

sexta-feira, junho 15, 2007

Metamorfoses

A editora Livros Cotovia lança no mercado uma nova tradução da obra-prima de Ovídio, Metamorfoses, feita pelo Professor Paulo Alberto, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, responsável por traduções tão importantes quanto o primeiro livro da História de Roma, de Tito Lívio, ou parte da Eneida, de Vergílio. Esta edição, lemos no sítio da editora, "inclu[i] notas, glossário e mapas, para que o leitor desfrute ao máximo da obra de Ovídio".
Livros Cotovia junta, assim, este aos títulos de Ovídio já disponíveis, a Arte de Amar e os Amores, vertidos pelo Professor Carlos Ascenso André, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Recordo que a editora Nova Vega também se encontra a publicar as Metamorfoses (até agora, saiu um de dois volumes), tradução de Domingos Lucas Dias, Professor na Universidade Aberta, que é enriquecida com o texto latino original.

quinta-feira, junho 14, 2007

Noites do Museu (Odrinhas)


O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas organiza "visitas à luz da chama guiadas por figuras da Romanidade". As visitas, mediante reserva, decorrem nos dias 23 de Junho, 14 de Julho e 15 de Setembro, entre as 21h e as 24h.


Mais informações:

219609520
219613578 (fax)

Os Clássicos na Literatura Portuguesa (2)

Eça de Queirós, A Cidade e as Serras.
pp. 184-187:

A essa hora, enquanto pelo arvoredo mudo os mais agitados pardais dormiam, e o Sol mesmo parecia repousar, imóvel na rutilância da sua luz, Jacinto, com o espírito acordado, — ávido de sempre gozar, agora que reconquistara essa faculdade — tomava com delícia o seu livro. Porque o dono de trinta mil volumes era agora, na sua casa de Tormes, depois de ressuscitado, o homem que só tem um livro. Essa mesma Natureza, que o desligara das ligaduras amortalhadoras do tédio, e lhe gritara o seu belo ambula, caminha! — também certamente lhe gritara et lege, e lê, E libertado enfim do invólucro sufocante da sua Biblioteca imensa, o meu ditoso amigo compreendia enfim a incomparável delícia de ler um livro. Quando eu correra a Tormes (depois das revelações do Severo na venda do Torto), ele findava o D. Quixote, e ainda eu lhe escutara as derradeiras risadas com as coisas deliciosas, e decerto profundas, que o gordo Sancho lhe murmurava, escarranchado no seu burro. Mas agora o meu Príncipe mergulhara na Odisseia, — e todo ele vivia no espanto e no deslumbramento de assim ter encontrado, no meio do caminho da sua vida, o velho errante, o velho Homero!
— Oh Zé Fernandes, como sucedeu que eu chegasse a esta idade sem ter lido Homero?...
— Outras leituras mais urgentes... o Figaro, Georges Ohnet... — Tu leste a Ilíada? — Menino, sinceramente me gabo de nunca ter lido a Ilíada Os olhos do meu Príncipe fuzilavam. — Tu sabes o que fez Alcibíades, uma tarde, no Pórtico, a um sofista, um desavergonhado de um sofista, que se gabava de não ter lido a Ilíada?
— Não.
— Ergueu a mão e atirou-lhe uma bofetada tremenda.
— Para lá, Alcibíades! Olha que eu li a Odisseia!
Oh! mas decerto eu a lera, corridamente, com a alma desatenta! E insistia em me iniciar, ele, e me conduzir, através do Livro sem igual. Eu ria. E rindo, pesado do almoço, terminava por consentir, e me estirava no canapé de verga. Ele, diante da mesa, direito na cadeira, abria o livro gravemente, pontificalmente, como um missal, e começava numa lenta ode sentida. Aquele grande mar da Odisseia — resplandecente e sonoro, sempre azul, todo azul, sob o voo branco das gaivotas, rolando, e, mansamente quebrando sobre a areia fina ou contra as rochas de mármore das Ilhas Divinas, — exalava, logo uma frescura salina, bem-vinda e consoladora naquela calma de Junho, em que a serra se entorpecia. Depois as estupendas manhas do subtil Ulisses e os seus perigos sobre-humanos, tantas lamúrias sublimes e um anseio tão espalhado da pátria perdida, e toda aquela intriga, em que embrulhava os heróis, lograva as deusas, iludia o Fado, tinham um delicioso sabor ali, nos campos de Tormes, onde nunca se necessitava de subtileza ou de engenho, e a Vida se desenrolava com a segurança imutável com que cada manhã sempre o Sol igual nascia, e sempre centeios e milhos, regados por águas iguais, seguramente medravam, espigavam, amadureciam... Embalado pela recitação grave e monótona do meu Príncipe, eu cerrava as pálpebras docemente. Em breve um vasto tumulto, por terra e céu, me alvoroçava... E eram os rugidos de Polifemo, ou a grita dos companheiros de Ulisses roubando as vacas de Apolo. Com os olhos logo esbugalhados para Jacinto, eu murmurava: «Sublime!» E sempre, nesse momento o engenhoso Ulisses, de carapuço vermelho e o longo remo ao ombro, surpreendia com a sua facúndia a clemência dos príncipes, ou reclamava presentes devidos ao hóspede, ou surripiava astutamente algum favor aos deuses. E Tormes dormia, no esplendor de Junho. Novamente, eu cerrava as pálpebras consoladas, sob a carícia inefável do largo dizer homérico... E meio adormecido, encantado, incessantemente avistava, longe, na divina Hélade, entre o mar muito azul e o céu muito azul, a branca vela, hesitante, procurando Ítaca...

Os Clássicos na Literatura Portuguesa (1)

Eça de Queirós, A Cidade e as Serras.
pp. 147-48:

Mirando, à vela de sebo, o copo grosso que ele orlava de leve espuma rósea, o meu Príncipe, com um resplendor de optimismo na face, citou Virgílio:
Quo te carmina dicam, Rethica? Quem dignamente te cantará, vinho amável destas serras?
Eu, que não gosto que me avantagem em saber clássico, espanejei logo também o meu Virgílio, louvando as doçuras da vida rural:
Hanc olim veteres vitam coluere Sabini... Assim viveram os velhos Sabinos. Assim Rómulo, e Remo... Assim cresceu a valente Etrúria. Assim Roma se tomou a maravilha do mundo!
E imóvel, com a mão agarrada à infusa, o Melchior arregalava para nós os olhos em infinito assombro e religiosa reverência.


p.161:

Eis a Imprensa!... Mas nada de «Figaro», ou da horrenda «Dois Mundos»! jornais de agricultura! Para aprender como se produzem as risonhas messes, e sob que signo se casa a vinha ao olmo, e que cuidados necessita a abelha provida... Quid faciat laetas segetes... De resto para esta nobre educação, já me bastavam as Geórgicas, que tu ignoras!
Eu ri:
— Alto lá! Nos quoque gens sumus et nostrum Virgilium sabemus! Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas — como Catão para chamar os servos, na Roma simples.

quarta-feira, junho 13, 2007

Catulo 13

[Rowlandson - O jantar de peixe]

Jantarás bem, meu Fabulo, em minha casa,
dentro de poucos dias, assim o queiram os deuses,
se contigo trouxeres bom e lauto
jantar, não sem miúda jeitosa,
e vinho e graçolas e risotas muitas.
Se isto trouxeres, meu queriducho,
digo-te que jantarás bem. É que
a carteira do teu Catulo está cheia de teias de aranha.
Mas em troca terás puros amores,
ou o algo mais suave e delicado:
é que te darei um perfume,
que à minha miúda deram Vénus e Cupidos,
e quando o cheirares, rogarás aos deuses
que te transformem, Fabulo, em nariz.

(Catulo 13)

cenabis bene mi Fabulle apud me
paucis si tibi di fauent diebus
si tecum attuleris bonam atque magnam
cenam non sine candida puella
et uino et sale et omnibus cachinnis
haec si inquam attuleris uenuste noster,
cenabis bene nam tui Catulli
plenus sacculus est aranearum
sed contra accipies meros amores
seu quid suauius elegantiusue est
nam unguentum dabo quod meae puellae
donarunt Veneres Cupidinesque
quod tu cum olfacies deos rogabis
totum ut te faciant Fabulle nasum

domingo, junho 10, 2007

Borges

Enquanto relia, extasiado, o Libro de Arena, de Borges, dei com esta sentença que tão bem se aplica ao que se passa em Portugal.

Cada día que pasa nuestro país es más provinciano. Más provinciano y más engreído, como si cerrara los ojos. No me sorprendería que la enseñanza del latín fuera reemplazada por la del guaraní.


Jorge Luis Borges, El Otro

sábado, junho 09, 2007

Estudar os Clássicos (1): Grego

Os Estudos Clássicos têm longa tradição em Portugal, sendo uma área de estudos considerada, desde remotos tempos, basilar. O curso de Filologia Clássica fazia já parte do currículo do Curso Superior de Letras, fundado em Lisboa por D. Pedro V em 1859, e antecessor da actual da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, aquando da sua inauguração.
Apesar disso, os Estudos Clássicos são pouco considerados pela sociedade portuguesa, classes educativa, científica e política incluídas. Primeiro, porque como o Latim está intimamente relacionado com a Igreja, é considerado língua de padres e de gente católica; segundo, porque da actividade científica produzida pelos nossos investigadores pouco se vê.
Falta visibilidade a muitas iniciativas de partilha de saberes (encontros, colóquios, congressos), mas falta muita obra. Assim, lembro que só recentemente vieram à luz traduções integrais de obras fundamentais da literatura antiga: Odisseia, Ilíada e Eneida. Só agora começou a sair uma tradução moderna das Metamorfoses de Ovídio! O mesmo se diga para a Arte de Amar e os Amores, do mesmo poeta.
O volume de bibliografia que se insere na temática línguas e literaturas clássicas, em países como o Reino Unido, França, Estados Unidos, Alemanha ou Itália, é esmagador. No entanto, e ainda que — repito — os Estudos Clássicos sejam bastante antigos em Portugal, entre nós, pouco ou nada se produz: e o que se produz é, em geral, básico e de fraca qualidade.
Várias são as explicações para que isto assim seja, mas não é minha intenção dissecá-los.
No meu primeiro texto neste espaço para que tive a honra de ser convidado, quero dar ênfase aos muitos problemas com que um indivíduo que pretenda seguir esta área de estudos depara, fazendo uma análise breve de alguma bibliografia auxiliar disponível. É que o maior desses problemas é, mais do que a falta de traduções e ensaios, a falta de materiais como dicionários e gramáticas de referência. Causa estranheza os Estudos Clássicos serem tão antigos e não haver um bom dicionário de Latim ou de Grego feito na nossa língua!
Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (em Coimbra não será diferente), os alunos de Estudos Clássicos têm de saber consideravelmente bem uma língua estrangeira para usar gramáticas e dicionários franceses ou ingleses de Latim e Grego.

É claro que existem alguns materiais auxiliares em português. Na área do Grego, eles são muito escassos. Lembro que não há nenhum manual de Grego para o Ensino Secundário. Quando comecei a estudar a língua, existiam apenas duas gramáticas portuguesas. Uma, de António Freire (Livraria Apostolado da Imprensa), e outra, de Abílio Alves Perfeito (Porto Editora). Ainda hoje não sei como classificar a primeira; a segunda foi vítima de uma mutilação da Editora, que lhe introduziu tantos erros/gralhas, que ficou quase inutilizável! Só há poucos anos saiu uma gramática mais completa e que se pode dizer de referência, do Professor Manuel Alexandre Júnior. No entanto, e ao contrário da vontade do autor, também tem algumas gralhas, que estão certamente identificadas e que serão corrigidas numa futura edição.
Existe apenas um dicionário de Grego-Português e Português-Grego, mas está, infelizmente, longe de se poder dizer que é de “referência”. Só agora existe um projecto sólido para a elaboração de um dicionário de Grego-Português.
Os trabalhos do Professor Custódio Magueijo (a História da Língua Grega, por exemplo) são, estranhamente, quase todos impossíveis de obter...
Na área de literatura grega — e fora alguns trabalhos de tradução —, não há nada a dizer porque não há nada de que falar. Existem alguns (bons) artigos em publicações especializadas, mas não temos livros que dêem uma perspectiva geral da riqueza desta literatura. Ainda assim, merecem referência honrosa:
1) A obra Grécia Revisitada, do Prof. Frederico Lourenço;
2) A obra Ensaios sobre Píndaro, de vários autores;
3) A obra Ensaios sobre Eurípides, da Prof.ª Maria de Fátima Silva;
4) A obra Ensaios sobre Aristófanes, da Prof.ª Maria de Fátima Silva (no prelo);
5) Algumas traduções: A Tragédia Grega, de H.D.F. Kitto, A Tragédia Grega, de Jacqueline de Romilly e História da Literatura Grega, de Albin Lesky.

A ideia que os Estudos Clássicos portugueses fazem sair é a de uma área obscura e inútil, mesmo que clamem o contrário. Os Professores que berram contra dicionários e gramáticas não fazem nada para que eles deixem de existir e/ou para os substituir por obras de verdadeiro valor.
Sem a base, não se pode fazer mais nada.

Symposion e philanthropia em Plutarco



Recebido de Delfim Leão, da Universidade de Coimbra:

«Tenho o gosto de dar a conhecer o website relativo ao 8º Congresso da International Plutarch Society, que decorrerá em Coimbra, em Setembro de 2008:

http://www.plutarchus.org

Aí poderão encontrar informações gerais relativas ao programa e à forma de participar. Para qualquer dúvida, não hesitem em entrar em contacto com qualquer um dos elementos da Comissão Organizadora:

José Ribeiro Ferreira (rifer@fl.uc.pt)
Delfim Ferreira Leão (leo@fl.uc.pt)
Paula Barata Dias (pabadias@hotmail.com)
Frances Titchener (f.b.titchener@usu.edu)
Rodolfo Lopes (rodolfo.nunes.lopes@gmail.com) »

domingo, junho 03, 2007

Ovídio: exílio e poesia no bimilenário da “relegatio”



Tem lugar dia 21 de Junho de 2007 a comemoração do bimilenário da relegatio de Ovídio. As comunicações decorrerão entre as 9:30 e as 19:15, no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

O programa pode ser consultado aqui:

http://estudosclassicos.googlepages.com/OVIDIOcoloquioPROGRAMA.doc

Catulo 8

[Bosch - Tentação de Santo Antão]

Pobre Catulo, deixa-te de loucuras,
e o que vês finado considera-o perdido.
Luziram-te outrora sóis brilhantes,
quando ias e vinhas para onde te levava uma miúda,
amada por mim como nenhuma outra será amada.
Então tantas brincadeiras havia,
que tu querias e
a miúda não dizia que não.
Luziram-te sem dúvida sóis brilhantes.
Agora ela já não quer. Tu, delirante, não queiras também,
nem corras atrás de quem foge, nem vivas infeliz,
mas sofre de ânimo firme e endurece.
Adeus miúda, já Catulo endureceu,
e não te procurará nem te implorará contrariada.
Mas tu lamentarás, quando ninguém te procurar.
Ai de ti, desgraçada, que vida te resta?
Quem se chegará agora a ti? A quem parecerás bela?
Quem amarás agora? De quem dirás ser?
Quem beijarás? De quem morderás os lábios?
E tu, Catulo, determinado endurece.

(Catulo, carme 8)


miser Catulle desinas ineptire
et quod uides perisse perditum ducas
fulsere quondam candidi tibi soles
cum uentitabas quo puella ducebat
amata nobis quantum amabitur nulla
ibi illa multa cum iocosa fiebant
quae tu uolebas nec puella nolebat
fulsere uere candidi tibi soles
nunc iam illa non uult tu quoque impotens noli
nec quae fugit sectare nec miser uiue
sed obstinata mente perfer obdura
uale puella iam Catullus obdurat
nec te requiret nec rogabit inuitam
at tu dolebis cum rogaberis nulla
scelesta uae te quae tibi manet uita
quis nunc te adibit cui uideberis bella
quem nunc amabis cuius esse diceris
quem basiabis cui labella mordebis
at tu Catulle destinatus obdura

Catulo 70

[Kolb - Mimosa leaves]


Com nenhum outro diz a minha amada querer casar-se
senão comigo, nem se lho pedisse o próprio Júpiter.
Diz ela, mas o que diz mulher a amante apaixonado,
no vento e na água violenta convém escrever.

(Catulo, carme 70)

nulli se dicit mulier mea nubere malle
quam mihi non si Iuppiter ipse petat
dici sed mulier cupido quod dicit amanti
in uento et rapida scribere oportet aqua

Catulo 58

[Fresco de Pompeios]

A nossa Lésbia, Célio, aquela Lésbia,
aquela Lésbia, a única que Catulo
mais do que a si mesmo e aos seus amou,
agora em esquinas e vielas
esfrega os netos do nobre Remo.

(Catulo, carme 58)

Caeli Lesbia nostra Lesbia illa
illa Lesbia quam Catullus unam
plus quam se atque suos amauit omnes
nunc in quadriuiis et angiportis
glubit magnanimi Remi nepotes

Catulo 72

[Jan de Bray - Retrato de jovem]

Dizias tu outrora que só Catulo conhecias,
Lésbia, que nem Júpiter em vez de mim querias.
Amei-te então não como homem a amante,
mas como ama pai filhos e genros.
Agora conheço-te. Por isso, se mais muito mais ardo,
para mim és tão mais vulgar e inconstante.
Como é possível? - perguntas. É que injúria tal
obriga o amante a amar mais, mas a querer bem menos.

(Catulo, carme 72)


dicebas quondam solum te nosse Catullum
Lesbia nec prae me uelle tenere Iouem
dilexi tum te non tantum ut uulgus amicam
sed pater ut gnatos diligit et generos
nunc te cognoui quare etsi impensius uror
multo mi tamen es uilior et leuior
qui potis est inquis quod amantem iniuria talis
cogit amare magis sed bene uelle minus

Catulo 75

[Salomon de Bray - Retrato de jovem]

Até aqui desceu por culpa tua minha alma, Lésbia,
e de tal maneira se perdeu ela do seu mester
que já não pode bem querer-te, tornasses-te tu a melhor,
nem deixar de te amar, ainda que por isso tudo faças.

(Catulo, carme 75)

huc est mens deducta tua mea Lesbia culpa
atque ita se officio perdidit ipsa suo
ut iam nec bene uelle queat tibi si optima fias
nec desistere amare omnia si facias

Catulo 56

[Terbrugghen - Rapaz tocando flauta]

Ó coisa risível, Catão, e divertida,
e digna do teu ouvido e da tua gargalhada!
Ri, Catão, se realmente gostas do Catulo.
É coisa risível e muito engraçada:
apanhei há pouco um miúdo a dar
numa miúda. Ora eu, com a ajuda de Dione,
caí sobre ele com a minha tusa como arma!

(Catulo, carme 56)

o rem ridiculam Cato et iocosam
dignamque auribus et tuo cachinno
ride quidquid amas Cato Catullum
res est ridicula et nimis iocosa
deprendi modo pupulum puellae
trusantem hunc ego si placet Dionae
pro telo rigida mea cecidi

Catulo 3

[Everdingen - Baco com ninfas e cupido]

Chorai, ó Vénus e Cupidos,
e quantos homens há sensíveis:
morreu o pardalito da minha miúda,
o pardalito, o mais-que-tudo da minha miúda,
que ela mais do que os seus olhos amava.
Era na verdade doce, e a dona conhecia
tão bem como menina a sua mãe.
E não saía do seu colo,
mas, saltitando ora para aqui ora para ali,
só para a sua dona pipilava sem parar.
Vai ele agora por caminho tenebroso
para esse lugar, donde dizem nunca ninguém voltou.
Malditas vós, trevas funestas
do Orco, que todas as coisas belas devorais:
tão belo pardalito me arrebatastes!
Ó maldade! Ó pobrezito pardalito!
Por tua causa vermelham de chorar
os olhinhos inchadinhos da minha miúda!

(Catulo, carme 3)

lugete o Veneres Cupidinesque
et quantum est hominum uenustiorum
passer mortuus est meae puellae
passer deliciae meae puellae
quem plus illa oculis suis amabat
nam mellitus erat suamque norat
ipsam tam bene quam puella matrem
nec sese a gremio illius mouebat
sed circumsiliens modo huc modo illuc
ad solam dominam usque pipiabat
qui nunc it per iter tenebricosum
illuc unde negant redire quemquam
at uobis male sit malae tenebrae
Orci quae omnia bella deuoratis
tam bellum mihi passerem abstulistis
o factum male o miselle passer
tua nunc opera meae puellae
flendo turgiduli rubent ocelli

Catulo 16

[Velázquez - Los borrachos]

O cu e a boca vos foderei eu,
Aurélio minha bicha, Fúrio meu paneleiro,
que pelos meus versinhos me julgam,
por tão delicadinhos serem, pouco virtuoso.
É que casto deve ser o bom poeta,
não têm de o ser os seus versinhos,
que além do mais têm picante e graça,
sendo tão delicadinhos e pouco virtuosos,
e se podem provocar comichões,
não digo aos miúdos, mas a estes peludos
que não conseguem mexer as duras piças.
Vocês, porque "muitos milhares de beijos"
me leram, acham que eu sou pouco macho?
O cu e a boca vos foderei eu!

(Catulo, carme XVI)

pedicabo ego uos et irrumabo
Aureli pathice et cinaede Furi
qui me ex uersiculis meis putastis
quod sunt molliculi parum pudicum
nam castum esse decet pium poetam
ipsum uersiculos nihil necesse est
qui tum denique habent salem ac leporem
si sunt molliculi ac parum pudici
et quod pruriat incitare possunt
non dico pueris sed his pilosis
qui duros nequeunt mouere lumbos
uos quod milia multa basiorum
legistis male me marem putatis
pedicabo ego uos et irrumabo

Catulo 5

[Klimt - O beijo]

Vivamos, Lésbia minha, e amemos.
A má-língua dos velhos mais sisudos
não mais do que um tostão nos valha.
Podem os dias morrer e nascer:
quando a breve luz de vez morrer
noite perpétua devemos juntos dormir.
Dá-me beijos mil, e depois cem,
e depois mil outros, e depois mais cem,
e depois ainda mais mil, e depois cem.
Depois, quando muitos dermos,
baralhá-los-emos para não sabermos quantos,
ou não possa homem mau invejar-nos,
ao saber quantos beijos démos.

(Catulo, carme V)

uiuamus mea Lesbia atque amemus
rumoresque senum seueriorum
omnes unius aestimemus assis
soles occidere et redire possunt
nobis cum semel occidit breuis lux
nox est perpetua una dormienda
da mi basia mille deinde centum
dein mille altera dein secunda centum
deinde usque altera mille deinde centum
dein cum milia multa fecerimus
conturbabimus illa ne sciamus
aut ne quis malus inuidere possit
cum tantum sciat esse basiorum

Catulo 85

[Rubens - Prometeu agrilhoado]

Odeio e amo. Porque o faço, talvez perguntes.
Não sei. Mas sinto-o. E excrucio-me

(Catulo, carme 85)

odi et amo quare id faciam fortasse requiris
nescio sed fieri sentio et excrucior

Catulo 32

[Fresco de Pompeios representando Príapo]

Por favor, minha doce Ipsitila,
minha linda, minha doçura,
manda te visite à hora da sesta.
E se o mandares bom será que
ninguém ponha tranca na porta,
nem te apeteça ir à rua,
mas que fiques em casa e nos prepares
nove fodas seguidas.
A sério, se te apetece mesmo, manda depressa,
pois almoçado e cheio de barriga para o ar
já rasgo não só a túnica mas também o pálio!

(Catulo, carme 32)

amabo mea dulcis Ipsitilla
meae deliciae mei lepores
iube ad te ueniam meridiatum
et si iusseris illud adiuuato
ne quis liminis obseret tabellam
neu tibi lubeat foras abire
sed domi maneas paresque nobis
nouem continuas fututiones
uerum si quid ages statim iubeto
nam pransus iaceo et satur supinus
pertundo tunicamque palliumque