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domingo, janeiro 25, 2009

Pena é que saiba latim

«A trigueirinha estudou a sua lição, e o Rei ajudou-lhe a pronunciar os ditongos. Sua Majestade sabia regularmente a língua francesa e espanhola. A italiana ensinou-lha, vinte anos depois, a actriz Petronilla, a quem deu presentes que carregaram trinta cavalgaduras quando a cantora se fez na volta de Espanha, diz o Cavalheiro de Oliveira. D. António Caetano de Sousa, na História Genealógica da Casa Real, tom. VIII, pág. 4, diz que o Rei sabia também latim com perfeita inteligência. De um sujeito que lia Horácio e Cícero, dizia Bocage: "Pena é que saiba latim, pois perdeu-se um parvo grande!" D. João V, ainda com latim, não era parvo pequeno nem perdido.»


Camilo Castelo Branco, A Caveira da Mártir, Obras Completas, Vol. VII, Lello, Porto, 1987, p. 1042

domingo, janeiro 04, 2009

Puro Séneca e Platão


Quem se não calou foi António de Cavide. O Rei leu a carta do ouvidor, espremeu em contrafeito riso o fel do despeito, mascou umas palavras regougadas, e, atirando a carta com desprezo ao manteeiro, disse afinal:
- Foi educada pelo padre Luís da Silveira...
- Nunca se disse tão conceituosa frase, meu senhor! - exclamou o ministro batendo as palmas com o estúpido entusiasmo da lisonja. E repetiu: - Foi educada pelo padre Luís da Silveira! Admirável, e digno de Juvenal, de Marcial, e... de Vossa Majestade!
- E que monta ser rei quando se é frágil como qualquer homem! - disse D. João IV com direito aos louvores do valido meditabundo.
- Estou pensando, real senhor!... - disse o ministro. - Vossa Majestade nestas poucas expressões compendiou um livro: E que monta ser rei quando se é frágil como qualquer homem!? Puro Séneca e Platão!...


Camilo Castelo Branco, A filha do regicida, Obras Completas, Vol. VII, Lello & Irmão, Porto, 1987, p. 887

quarta-feira, abril 23, 2008

Para aprender a escrever

Entrevista de António Lobo Antunes, na LER de Maio de 2008 (p. 38):

«Tem medo de que esse livro que está em poder das suas filhas seja publicado, um dia?
Não. Eu já cá não estou, não é? Medo não. Porque eu hei-de ser avaliado pelo melhor que fiz e não pelo pior. Sabe, nós agora estamos a comemorar o bimilenário do exílio de Ovídio. Ele dizia que a obra dele ia vencer o tempo, o fogo e o ferro. E venceu. Ele só fez coisas extraordinárias. Eu tento traduzir os poetas latinos. O meu latim é mau mas lá ponho o indicador no substantivo, o mindinho no verbo e tal.

Ainda continua a fazer esse exercício, hoje?
Sim. Para aprender a escrever.»

quarta-feira, abril 02, 2008

Literatura Clássica e Portuguesa em Abril, em Torres Vedras

Decorre na livraria Livrododia - Centro Histórico, em Torres Vedras, uma série de sessões sobre literatura clássica e portuguesa. As sessões serão nos primeiros três sábados do mês, e apresentadas e moderadas por mim, e o companheiro "blogueiro" aqui do estaminé, o Ricardo, vai participar numa das sessões. Além disso, a noite de 24 de Abril será integralmente dedicada à poesia greco-latina.

O programa é o seguinte:

5 de Abril - 16 horas
Cristina Pimentel e Arnaldo Espírito Santo (ambos Professores Catedráticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Sobre Trindade, de Santo Agostinho.

12 de Abril - 16 horas
Paulo Farmhouse Alberto (Professor Associado com Agregação da FLUL) e Ricardo Nobre (Investigador do Centro de Estudos Clássicos da UL)
Sobre Metamorfoses, de Ovídio e a recepção dos clássicos na Literatura Portuguesa de Oitocentos.

19 de Abril - 16 horas
José Pedro Serra (Professor Auxiliar da FLUL) e Ana Maria Tarrío (Professora Auxiliar da FLUL)
Sobre Tragédia Grega e a recepção dos clássicos no Humanismo Português.

24 de Abril - 22 horas
Sessão de Leitura de Poesia Clássica, festejando a Noite da Liberdade (programa a anunciar).

Blogue da Livrododia:
http://www.diariodeumlivreiro.blogspot.com/

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Temas Clássicos na Literatura Portuguesa

A novidade editorial do mês é a reedição, da Verbo, da obra da Professora Maria Helena da Rocha Pereira, Temas Clássicos na Literatura Portuguesa. Ninguém negará a forte influência que a tradição clássica exerceu nos nossos poetas, em todos os tempos, de Correia Garção a Ricardo Reis, de António Ferreira a Bocage. Este volume, reedição de 1972, estuda essas relações e influências.
Da autora, penso que nada há a dizer que não se saiba já: Professora Catedrática (a primeira mulher a assumir esse grau) Jubilada (1995) da Universidade de Coimbra, é autora de uma extensa obra sobre literatura grega e cultura clássica. As suas diversas traduções de Platão, Sófocles, Píndaro, etc., etc., são por todos consideradas modelo.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Gonçalo M. Tavares na F.L.U.L.


«Dos conceitos filosóficos ouvidos desde cedo, Aurius, primo de Anaxágoras, não fora ao fundo de nenhum. Descendente do termo latin concipere, que significa: tomar algo, agarrando-o completamente, a palavra 'conceito' foi sempre entendida por Aurius como um assassinato, agarrar por completo era fazer com que algo deixasse de existir. Exemplificava, dizendo: se agarrar numa pequena esfera de modo a ocultá-la totalmente entre os dedos da mão, essa esfera deixa de ter existência para os outros, e mesmo para si própria, pois fica impossibilitada de actuar como a sua natureza determina, isto é: rolando.»

Gonçalo M. Tavares, "a história de Aurius Anaxos", in Histórias Falsas, Campo das Letras, 2005



Gonçalo M. Tavares é um dos nomes mais falados e premiados da actual Literatura Portuguesa, e já com alguma projecção internacional. Com justiça, pois é sem dúvida um dos autores mais interessantes e estimulantes das últimas décadas. Nascido em 1970, tem já, apesar da juventude, uma extensa bibliografia, que vai da poesia ao teatro, passando pela narrativa em forma de romance, conto ou outras formas menos ortodoxas - onde encaixar a extraordinária série dos "Senhores", ou a "Biblioteca"?

A ideia de o convidar para participar no Clube das Clássicas surgiu no início de 2007, quando tardiamente tomei contacto com a sua obra. Eram as Histórias Falsas, uma colecção de contos, muitos deles com temática clássica. Preso à sua narrativa, comecei o processo, que ainda levo a cabo, de ler a sua obra completa - imensa, para um autor tão novo. Faltava, no entanto, contactá-lo, formular o convite. A ocasião surgiu em Dezembro de 2007, quando tive a oportunidade de conhecer o Gonçalo numa interessantíssima sessão de lançamento do seu último romance, Aprender a rezar na Era da Técnica, na livraria Livrododia, em Torres Vedras. Mais do que uma sessão de lançamento, foi um bom par de horas de conversa animada, agradável e interessante, sobre literatura, mas não só. Formulei-lhe, no final, o convite, e o Gonçalo aceitou de imediato.

Assim, dia 23 de Janeiro de 2008, às 18 horas, no Anfiteatro III da FLUL, teremos connosco Gonçalo M. Tavares, para conversar sobre a sua obra, sobre literatura, mas não só. E estão todos convidados!

http://clubedasclassicas.blogspot.com

quinta-feira, dezembro 06, 2007

A influência da mitologia clássica na poesia camoniana: a maga Circe e a transformação dos homens em brutos

[Wolgemut - Circe e Ulisses]

Centro de Estudos Clássicos
Faculdade de Letras
Cidade Universitária
1600-214 LISBOA


CONFERÊNCIA

A influência da mitologia clássica na poesia camoniana: a maga Circe e a transformação dos homens em brutos.

Conferência pelo Prof. Thomas Earl da Universidade de Oxford


17 de Dezembro – 2.ª feira – 11 horas
Sala 5.2 - Mestrados

quinta-feira, junho 14, 2007

Os Clássicos na Literatura Portuguesa (2)

Eça de Queirós, A Cidade e as Serras.
pp. 184-187:

A essa hora, enquanto pelo arvoredo mudo os mais agitados pardais dormiam, e o Sol mesmo parecia repousar, imóvel na rutilância da sua luz, Jacinto, com o espírito acordado, — ávido de sempre gozar, agora que reconquistara essa faculdade — tomava com delícia o seu livro. Porque o dono de trinta mil volumes era agora, na sua casa de Tormes, depois de ressuscitado, o homem que só tem um livro. Essa mesma Natureza, que o desligara das ligaduras amortalhadoras do tédio, e lhe gritara o seu belo ambula, caminha! — também certamente lhe gritara et lege, e lê, E libertado enfim do invólucro sufocante da sua Biblioteca imensa, o meu ditoso amigo compreendia enfim a incomparável delícia de ler um livro. Quando eu correra a Tormes (depois das revelações do Severo na venda do Torto), ele findava o D. Quixote, e ainda eu lhe escutara as derradeiras risadas com as coisas deliciosas, e decerto profundas, que o gordo Sancho lhe murmurava, escarranchado no seu burro. Mas agora o meu Príncipe mergulhara na Odisseia, — e todo ele vivia no espanto e no deslumbramento de assim ter encontrado, no meio do caminho da sua vida, o velho errante, o velho Homero!
— Oh Zé Fernandes, como sucedeu que eu chegasse a esta idade sem ter lido Homero?...
— Outras leituras mais urgentes... o Figaro, Georges Ohnet... — Tu leste a Ilíada? — Menino, sinceramente me gabo de nunca ter lido a Ilíada Os olhos do meu Príncipe fuzilavam. — Tu sabes o que fez Alcibíades, uma tarde, no Pórtico, a um sofista, um desavergonhado de um sofista, que se gabava de não ter lido a Ilíada?
— Não.
— Ergueu a mão e atirou-lhe uma bofetada tremenda.
— Para lá, Alcibíades! Olha que eu li a Odisseia!
Oh! mas decerto eu a lera, corridamente, com a alma desatenta! E insistia em me iniciar, ele, e me conduzir, através do Livro sem igual. Eu ria. E rindo, pesado do almoço, terminava por consentir, e me estirava no canapé de verga. Ele, diante da mesa, direito na cadeira, abria o livro gravemente, pontificalmente, como um missal, e começava numa lenta ode sentida. Aquele grande mar da Odisseia — resplandecente e sonoro, sempre azul, todo azul, sob o voo branco das gaivotas, rolando, e, mansamente quebrando sobre a areia fina ou contra as rochas de mármore das Ilhas Divinas, — exalava, logo uma frescura salina, bem-vinda e consoladora naquela calma de Junho, em que a serra se entorpecia. Depois as estupendas manhas do subtil Ulisses e os seus perigos sobre-humanos, tantas lamúrias sublimes e um anseio tão espalhado da pátria perdida, e toda aquela intriga, em que embrulhava os heróis, lograva as deusas, iludia o Fado, tinham um delicioso sabor ali, nos campos de Tormes, onde nunca se necessitava de subtileza ou de engenho, e a Vida se desenrolava com a segurança imutável com que cada manhã sempre o Sol igual nascia, e sempre centeios e milhos, regados por águas iguais, seguramente medravam, espigavam, amadureciam... Embalado pela recitação grave e monótona do meu Príncipe, eu cerrava as pálpebras docemente. Em breve um vasto tumulto, por terra e céu, me alvoroçava... E eram os rugidos de Polifemo, ou a grita dos companheiros de Ulisses roubando as vacas de Apolo. Com os olhos logo esbugalhados para Jacinto, eu murmurava: «Sublime!» E sempre, nesse momento o engenhoso Ulisses, de carapuço vermelho e o longo remo ao ombro, surpreendia com a sua facúndia a clemência dos príncipes, ou reclamava presentes devidos ao hóspede, ou surripiava astutamente algum favor aos deuses. E Tormes dormia, no esplendor de Junho. Novamente, eu cerrava as pálpebras consoladas, sob a carícia inefável do largo dizer homérico... E meio adormecido, encantado, incessantemente avistava, longe, na divina Hélade, entre o mar muito azul e o céu muito azul, a branca vela, hesitante, procurando Ítaca...

Os Clássicos na Literatura Portuguesa (1)

Eça de Queirós, A Cidade e as Serras.
pp. 147-48:

Mirando, à vela de sebo, o copo grosso que ele orlava de leve espuma rósea, o meu Príncipe, com um resplendor de optimismo na face, citou Virgílio:
Quo te carmina dicam, Rethica? Quem dignamente te cantará, vinho amável destas serras?
Eu, que não gosto que me avantagem em saber clássico, espanejei logo também o meu Virgílio, louvando as doçuras da vida rural:
Hanc olim veteres vitam coluere Sabini... Assim viveram os velhos Sabinos. Assim Rómulo, e Remo... Assim cresceu a valente Etrúria. Assim Roma se tomou a maravilha do mundo!
E imóvel, com a mão agarrada à infusa, o Melchior arregalava para nós os olhos em infinito assombro e religiosa reverência.


p.161:

Eis a Imprensa!... Mas nada de «Figaro», ou da horrenda «Dois Mundos»! jornais de agricultura! Para aprender como se produzem as risonhas messes, e sob que signo se casa a vinha ao olmo, e que cuidados necessita a abelha provida... Quid faciat laetas segetes... De resto para esta nobre educação, já me bastavam as Geórgicas, que tu ignoras!
Eu ri:
— Alto lá! Nos quoque gens sumus et nostrum Virgilium sabemus! Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas — como Catão para chamar os servos, na Roma simples.