terça-feira, novembro 18, 2008

Argos

Argos, de olhos erguidos para o céu, gemia; torrentes rolavam-lhe pelo rosto, não só de água mas (soube-o depois) de lágrimas. "Argos", gritei, "Argos!"
Então, com mansa admiração, como se descobrisse uma coisa perdida e há muito esquecida, Argos balbuciou estas palavras: "Argos, cão de Ulisses". E depois, sempre sem me olhar: "Esse cão atirado para o esterco."
Facilmente aceitamos a realidade, talvez por intuirmos que nada é real. Perguntei-lhe o que sabia da Odisseia. A prática do grego era-lhe penosa; tive de repetir a pergunta.
"Muito pouco", disse. "Menos que o mais pobre dos rapsodos. Já se terão passado mil e cem anos desde que a escrevi."

Jorge Luís Borges, "O Imortal", O Aleph

4 comentários:

André . أندراوس البرجي disse...

Borges?

Tatiana Faia disse...

Borges. Esqueci-me de escrever em baixo. Ia jurar que tinha escrito em baixo.Peço desculpa.

André . أندراوس البرجي disse...

Acontece-me tantas vezes ;)

Tatiana Faia disse...

A mim, como se vê, também, mas assim a referência fica certa.
boa noite, preclaro André.