domingo, janeiro 04, 2009

Puro Séneca e Platão


Quem se não calou foi António de Cavide. O Rei leu a carta do ouvidor, espremeu em contrafeito riso o fel do despeito, mascou umas palavras regougadas, e, atirando a carta com desprezo ao manteeiro, disse afinal:
- Foi educada pelo padre Luís da Silveira...
- Nunca se disse tão conceituosa frase, meu senhor! - exclamou o ministro batendo as palmas com o estúpido entusiasmo da lisonja. E repetiu: - Foi educada pelo padre Luís da Silveira! Admirável, e digno de Juvenal, de Marcial, e... de Vossa Majestade!
- E que monta ser rei quando se é frágil como qualquer homem! - disse D. João IV com direito aos louvores do valido meditabundo.
- Estou pensando, real senhor!... - disse o ministro. - Vossa Majestade nestas poucas expressões compendiou um livro: E que monta ser rei quando se é frágil como qualquer homem!? Puro Séneca e Platão!...


Camilo Castelo Branco, A filha do regicida, Obras Completas, Vol. VII, Lello & Irmão, Porto, 1987, p. 887

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