“Deixemos de lado as reformas organizativas anunciadas pela ministra da Educação e a abertura tipo choque tecnológico do ano escolar e concentremo-nos no aspecto mais importante do ensino, isto é, na sua qualidade. Atente-se nestes três factos: o anúncio de que a disciplina de Filosofia deixará de ser necessária para aceder ao Ensino Superior, a estranha mistura entre Literatura e Ciências Sociais e a provável extinção, para acesso a certos cursos, do Latim e do Grego. Sou licenciada em Filosofia, para o que, no final do Secundário, tive de me submeter a exames nestas duas línguas mortas. Por razões que não vêm ao caso, não fui boa aluna, mas sinto a falta de conhecimento destas matérias. Há mais de cem anos, no romance Hard Times, Charles Dickens fazia troça de Mr. Gradgrind, para quem no mundo só havia “factos, factos, factos”.
Apesar de baseada numa concepção mutiladora do homem, era, e é, uma ideia popular. Mas a escola não pode ficar reduzida à formação de autómatos capazes de meter um chip num telemóvel. Se desejo que os estudantes aprendam Filosofia, que saibam apreciar um romance e que alguns até dominem o Latim e o Grego é por pensar que aquilo que, a partir de agora, só estará acessível a uma elite o deveria estar a todos. É verdade que, ao longo dos anos, a vida material dos portugueses melhorou, mas terá acontecido o mesmo, e na mesma extensão, à vida intelectual? A resposta é negativa.
A responsabilidade reside nos 26 ministros da Educação que, desde 1974, ocuparam a pasta. Todos, de esquerda e de direita, confundiram elitismo intelectual e exclusivismo social, o que os levou a recusar que a igualdade de oportunidades pudesse ser obtida sem que o nível de exigência do ensino baixasse. Se as disciplinas humanísticas forem extirpadas dos curricula, os nossos filhos e netos terão uma vida mais esquálida do que a nossa, porque lhe teremos dado a ilusão de que eles “sabem”, sem lhes termos oferecido os instrumentos necessários à compreensão do Mundo. É para isso que serve a Filosofia.”
Retenhamos dois aspectos fundamentais: 1.º, não é uma pessoa ligada aos estudos clássicos que diz que eles fazem falta; 2.º, não se trata de uma ex-aluna brilhante de Latim e Grego que diz que estas línguas devem ser estudadas. A necessidade de disponibilizar estas disciplinas no currículo do ensino secundário deve ser uma preocupação de uma sociedade culturalmente informada.
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