O programa Today é um dos mais conhecidos e aclamados da BBC Radio 4. A seguir ao natal, esteve em estúdio o padre que traduz os textos da Igreja Católica para latim (tarefa que fez já sob diferentes papas, pois que a cumpre há 40 anos). Reginald Foster afirmou que se o papa usasse o latim nos seus discursos falava menos e com mais rigor, sem subterfúgios, pois a língua latina não permite a vacuidade e os devaneios do politiquês (para ouvir aqui).
Ao ouvir o Padre Foster (que já tinha sido notícia na BBC por causa da sua preocupação com o desaparecimento do latim) a falar, recordei este passo de A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert, quando Frédéric, logo a seguir à proclamação da República em 1848, se encontra a assistir a uma reunião do clube “dos inteligentes” (‘clube’ neste contexto significa ‘partido político’):
— Michel-Evariste-Népomucène Vicent, ex-professor, exprime o voto no sentido de a democracia europeia adoptar a unidade de linguagem. Poderíamos servir-nos de uma língua morta, como por exemplo o latim aperfeiçoado.
— Não! Latim, não! — exclamou o arquitecto.
— Porquê? — replicou um professor.
E os dois cavalheiros envolveram-se numa discussão, a que todos se associaram, cada um lançando a sua frase para deslumbrar, e que não tardou a tornar-se tão fastidiosa que muitos se retiraram.
Usei a tradução de João Costa (Lisboa: Relógio d'Água, 2008), 245.
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