quarta-feira, janeiro 02, 2008

Influências greco-latinas na língua árabe X



Não há, nunca é demais repetir, dicionário etimológico da língua árabe, o que não deixa de ser estranho e lamentável para uma língua tão importante e rica. Para as raízes semitas a solução é procurar num bom dicionário etimológico do hebraico. Para os empréstimos de outras famílias linguísticas, é quase o deserto. Vão valendo alguns dicionários ocidentais, como o monumental Arabic–English Lexicon, de Lane, que no entanto só é da lavra do grande arabista até à letra ق (qāf), a 21ª de um alfabeto de 28 letras - 29, se considerarmos a glotal ء (hamza), que no entanto não tem entrada individualizadas nos dicionários que conheço. O trabalho, interrompido na letra qaf pela morte de Lane, o foi completado pelo seu sobrinho, L. S. Poole, não passando então, segundo a generalidade dos especialistas, de um esboço.

Vem isto a propósito da dificuldade que o aprendiz de arabista, como é o meu caso, não dominando ainda a bibliografia, tem ao querer datar empréstimos greco-latinos na língua árabe clássica. Acresce o facto de o árabe clássico ter o seu nascimento efectivo apenas no século VII, com a passagem a escrito do Alcorão, durante o califado de Uthman (644-656), não obstante alguns testemunhos esparsos e escassos de uma poesia árabe pré-islâmica, e algumas inscrições desde o século VIII a.C.. Portanto, é tarefa inglória tentar datar a entrada de uma palavra latina ou grega no árabe clássico, conseguindo-se, na melhor das hipóteses, uma cronologia relativa, muitas vezes fazendo valer o que se sabe não tanto da língua árabe, mas sobretudo da latina ou grega.

É o caso de “piscina”, palavra latina que foi tomada de empréstimo pelo árabe, sob a forma فسقية [fis'qijah], significando “fonte”. Não consegui ainda tirar a limpo a data da primeira atestação – apenas posso garantir que não está no Alcorão.

Há alguns aspectos interessantes no processo de tomada de empréstimo desta palavra:


  • a substituição de [p] por [f] – o árabe clássico e moderno padrão não tem o som [p], substituindo-o, nos empréstimos, por [f] ou [b];

  • o alongamento da penúltima sílaba, reconstituindo assim a tonicidade e quantidade latinas;

  • o acrescento da consoante final ة (tā marbŭt̪ˁa), que é marca genérica de feminino, sendo pronunciada [h] em posição final absoluta, e [t] antes de qualquer vogal;

  • a eliminação da nasal [n], com a consequente criação de um ditongo – e que os meus ainda frágeis conhecimentos de linguística árabe não me permitem explicar;

  • a substituição de [k] por [q], uma tendência que tenho observado ser quase absoluta, e que não deixa de ser curiosa, uma vez que o árabe possui o som [k]; apesar disso opta quase invariavelmente pelo [q], quando se trata de empréstimos.


Este último aspecto pode dar algumas pistas para conjecturar uma entrada da palavra em data recuada, uma vez que testemunha uma pronúncia ainda oclusiva surda da consoante |c| antes de |i|. Não me parece que se possa observar aqui um simples fenómeno de tradição ortográfica, uma vez que esses fenómenos costumam ocorrer sobretudo com nomes próprios, sendo uma hipótese alternativa para a القيصرية [al qajsˁa'riya], que deu o português “alcaçaria”, e que deriva de Caesar, entendido no sentido lato de governante.

1 comentário:

Anónimo disse...

Es muy interesante este artículo. Tá muito interessante este artigo.