segunda-feira, fevereiro 09, 2009

“São precisos professores que gostem de ler”

Carlos Reis, coordenador da equipa que apresentou os novos programas de Português para o ensino básico (actualmente em discussão pública) deu uma entrevista ao jornal Público. Realçam-se algumas das suas afirmações:

Não se pode, naturalmente, generalizar, mas há muitos professores — não só, mas principalmente os que saíram dos institutos politécnicos — que foram formados à luz de uma concepção... eu diria... muito desenvolta, muito expedita do que é falar e escrever em português.
Aquela coisa de “se o menino erra tem de se valorizar o erro, a expressividade...”. Sou completamente contra isso. Um erro é um erro, em Português como em Matemática. Se no discurso corrente, quotidiano, o sujeito não concorda com o predicado, isso é um erro.

Actualmente, os poucos textos literários apresentados aos alunos são utilizados como textos ilustrativos de coisas que têm pouco que ver com a literatura. Usar um soneto de Camões para explicar o que é o discurso argumentativo, por exemplo, é matar o soneto de Camões. Ele tem de ser percebido pelos alunos como uma grande peça lírica, que representa e modeliza uma emoção, uma visão do mundo, um sentimento.

Para termos alunos que gostem de ler são precisos professores que gostem de ler, que entendam a literatura como um domínio de representação cultural com uma grande dignidade e com uma enorme capacidade de nos enriquecer do ponto de vista humano. Claro que isto ultrapassa, em muito, a esfera de actuação de quem prepara programas de Português, e está intimamente relacionado com a actual crise das Humanidades. (...) Nem toda a gente tem de ler Platão e de traduzir latim. Mas está à vista que a hipervalorização, às vezes até um bocadinho provinciana, das tecnologias traz consigo lacunas consideráveis na forma de olharmos para o outro, de pensarmos no que é justo ou injusto, no que é solidário e não o é, no que é bonito e no que é feio — e que encontramos na Literatura, na História, na Filosofia.... A recuperação do atraso científico e tecnológico não deve ser feita à custa da desqualificação — política, até — de outras componentes da nossa cultura.

A entrevista pode ser lida na íntegra aqui.

3 comentários:

André . أندراوس البرجي disse...

Infelizmente tenho verificado que de facto uma parte significativa dos professores (básico, secundário, universitário) não lê mais do que o estritamente necessário - quando lê. Sobretudo as gerações mais novas.

Trocar experiências de leitura com professores jovens tem-me sido penoso, contam-se pelos dedos de uma mão aqueles com quem posso fazê-lo. Claro, se for dos livros de trabalho, tudo bem. Mas tudo o que saia daí é escusado. Argumentam uns com falta de tempo, outros com cansaço - e eu admito que não seja completamente falso. Mas na generalidade dos casos o que me parece é haver uma tremenda falta de interesse. Eu ando a fazer um doutoramento, mas nem que seja por uma questão de sanidade mental reservo pelo menos 1 hora por dia para a leitura com intenções puramente estéticas.

Mais, este desinteresse estende-se qualquer forma de produção cultural. Uma parte muito significativa é completa ou parcialmente indiferente a qualquer tipo de actividade cultural. Sei-o por experiência. Nas actividades desse género em que colaboro, o meu alvo principal de divulgação tem sido sempre as escolas e as universidades. Infelizmente o retorno ando perto do nulo, e nessas actividades acabam por comparecerer sobretudo ou professores mais velhos, ou pessoas de fora do mundo do ensino. Ainda recentemente, tendo dado notícia oficialmente em várias escolas sobre uma actividade comemorativa dos 400 anos do Pe. António Vieira em Torres Vedras, apareceram 2 ou 3 professores mais velhos, e o resto eram pessoas de outras áreas profissionais e estudantes.

Dá que pensar. Mas, estando ligado já há alguns anos à formação de professores, não me espanta nada. Já sem falar de uma parte significativa dos formandos, nos contactos que vou fazendo pelas escolas da região de Lisboa verifico um padrão preocupante: aderem às iniciativas os professores mais velhos, os novos nem por isso (com uma ou outra excepção). Sic transit gloria scholae.

Sofista Minimus disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sofista Minimus disse...

Parabéns pela postagem!

Mas é triste constatar que aquele que deveria mais ler, o faz muito pouco ou, na maioria das vezes, não lê...

Faço um curso de pós-graduação em literatura e ouço frequentemente frases absurdas como: "Detesto ler!"; "Não gosto de ler" e etc...

Blog interessante! Tornei-me leitor de você agora.

Abraço,

Sofista Minimus.

Ps: Criei um blog recentemente, sejam bem-vindos se quiserem participar... o endereço é http://deseptemartibus.blogspot.com