Cento e quarenta mil guerreiros de Mitrídates do Ponto
- cavalaria, archeiros, lanças, espadas, elmos, escudos -
entram num território estrangeiro que se chama Capadócia.
O exército estende-se por muitos quilómetros. Os cavaleiros lançam
olhares lúgubres, agoirentos, em redor. Envergonhado da sua nudez,
o espaço sente que, a cada passo dos homens, o longe
se transforma no perto. Especialmente as montanhas, cujos
cumes - igualmente cansados de auroras
vermelhas, crepúsculos roxos, nuvens grossas -
ganham mais agudeza, senão nitidez, com
os olhares penetrantes dos estrangeiros. Visto de longe,
o exército parece um rio que serpenteia entre os penedos,
cujas nascente faz o que pode para não ficar muito atrás da foz,
que, por seu turno, olha de vez em quando para trás, para a nascente.
E o terreno, à medida que o exército avança para oriente,
reflectido no espelho das águas daquele rio de homens, de coisa estranha
transforma-se, por um momento, num impassível, sublime pano de fundo
da história. Trepida o solo com o estrépito de sapatas ferradas, ressoam pragas
armaduras chocalham, os estribos batem contra as espadas,
há gritaria, as lanças são floresta. De repente, o batedor puxa as rédeas
ao cavalo e estaca, pregado ao solo: realidade ou alucinação?
Ao longe, ocupando todo o campo, dum lado ao outro do planalto,
estão as legiões de Sula. Sula, esquecendo Mário,
trouxe aqui as legiões para tirar a limpo a quem,
apesar do selo da lua invernal,
pertence a Capadócia. Tendo feito alto, o exército,
toma posição para a batalha. O pedregoso planalto
parece pela última vez um lugar onde nunca ninguém morreu.
Fogueiras, gargalhadas. Cantam "A raposa caíu na armadilha".
O rei Mitrídates, reclinado numa laje lisa, tem em sonhos
uma visão irresistível: um corpo nu, seios, os húmidos caracóis da nuca.
(....)
Iosif Brodskii
sexta-feira, dezembro 05, 2008
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